[Crítica] Era Uma Vez em Hollywood

[Crítica] Era Uma Vez em Hollywood. Quem conhece um pouco das obras de Tarantino, já deve esperar que todos os seus filmes tragam referências cinematográficas e históricas aos montes. Cães de Aluguel, Pulp Fiction, Kill Bill, Bastardos Inglórios, Os Oito Odiados etc todos, em maior ou menor grau, trazem homenagens a longas e gêneros que moldaram o diretor e seu modo de filmar. Tarantino é Scarface misturado com o jogo GTA (na verdade o jogo se inspira nestes dois, mas você entendeu).

Entretanto em praticamente todos os seus filmes, caso o espectador não conseguisse “pescar” tais referências, isso não prejudicava o entendimento da história. Claro, sacá-las, torna a experiência mais satisfatoria, mas, ainda assim, era possível curtir e gostar dos filmes. Este aspecto fez muitos dos seus filmes ícones da cultura pop atual.

No entanto, em Era Uma Vez em Hollywood, a diferença entre gostar do filme ou não dependerá, em grande parte, do conhecimento que você tem da época em que ele acontece. O filme poderá parecer chato. Muitos vão falar que Tarantino não precisava gastar quase três horas para se repetir na tela, remoendo as mesmas estórias dos personagens (Tarantino gosta muito de mostrar diálogos longos e cenas em várias tomadas, muitas delas ocorrendo com os personagens dirigindo e bebendo em bares por exemplo).

A sinopse do filme é Los Angeles, 1969. Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) é um ator de TV que, acompanhado de seu dublê, está decidido a fazer o nome em Hollywood. Para tanto, ele conhece muitas pessoas influentes na indústria cinematográfica, o que os acaba levando aos assassinatos realizados por Charles Manson na época, entre eles o da atriz Sharon Tate (Margot Robbie), que na época estava grávida do diretor Roman Polanski (Rafal Zawierucha).

Aviso caro leitor, daqui para frente, spoiler grandioso da obra. Continue por sua conta e risco ou continue se você não liga 🙂

Dito isto, vamos lá. O filme se passa no final dos anos 1960 para 1970, quando o cinema e a TV, digamos, mais ingênuos, estavam dando seus últimos suspiros. A sétima arte, principalmente, começa a passar por uma mudança radical, com as megaproduções dos grandes estúdios perdendo espaço para filmes mais autorais (cujo grande divisor de águas foi Sem Destino, lançado em 1969 e que deu origem a diretores do calibre de Martin Scorcese, Francis Ford Copolla, William Friedkin, Peter Bogdanovich, Steven Spielberg, George Lucas, Roman Polanski, entre outros).

E essa transformação se passa durante o verão de 1969, em Los Angeles, quando o movimento “paz e amor” promovido pelos hippies teria seu fim, com uma série de assassinatos praticados pela seita da Família Manson (comandada pelo seu guru, Charles Manson). Manson não estava presente nos assasinatos, mas foi o mandante dos mesmos.

E é nesse cenário que você acompanha a saga de Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), um ator que foi protagonista de uma série de faroeste de sucesso na TV e que, depois de fracassar ao tentar uma carreira no cinema, precisa se contentar em aparecer em pontas em outras atrações televisivas, sempre como vilão, enquanto tenta cavar outros papéis. Ao seu lado está Cliff Booth (Brad Pitt), seu dublê, amigo e faz-tudo, que também funciona como uma espécie de voz da consciência do ator, ao mesmo tempo que tenta faturar uns trocados nas produções em que Dalton ganha um papel.

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Rick Dalton e Cliff Booth: bromance?

Por falar nos dois atores, a química entre eles é fenomenal. Ótimas atuações, dignas de oscar. E paralela a eles, vemos também o dia a dia de Sharon Tate (Margot Robie, também excelente), uma atriz em ascensão, casada com Roman Polanski, então o diretor mais badalado da época, depois do sucesso de O Bebê de Rosemary e que se muda com o marido para uma casa bem ao lado da de Dalton.

E é com esses três protagonistas que o filme vai se mostrando, lento, sem pressa, com cada personagem se desenvolvendo, com alguns flashbacks, além das ótimas músicas, todos elementos de um filme de Tarantino, estão lá: diálogos afiados, a aparição de dezenas de ótimos coadjuvantes, as inúmeras referências a diferentes estilos de filmes, boas piadas, situações que beiram o absurdo e as cenas de violência, ainda que bem dosadas neste filme. Algo que me surpreendeu, mas não se deixe enganar. Eles existem.

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Margot Robie/Sharon Tate linda.

Uma outra figura que aparece é Bruce Lee. Inclusive a filha do astro, Shannon Lee fez duras críticas após ver Era Uma Vez em Hollywood. Ela disse que sentiu que houve zombaria em relação a Lee e que o resultado a deixou desanimada. No filme, o personagem de Brad Pitt, um dublê troca insultos com Bruce Lee, interpretado por Mike Moh. Eles acabam por resolver a treta na porrada. Uma cena que eu adorei rsrsr, mas enfim…

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Cliff Booth vs. Bruce Lee

O filme então não segue uma linha convencional, com a estrutura “começo-meio-fim” bem delimitada. Você não sabe muito bem onde ele vai parar e várias das cenas sequer conversam entre si. O ponto central são as histórias de cada personagem. E é aí que ter conhecimento sobre as referências daquela época faz toda a diferença. Afinal, se você não souber, por exemplo, quem foi a Família Manson e que eles foram os responsáveis pelo brutal assassinato de Sharon Tate, você não entenderá muito do que acontecerá a partir do final do filme, por exemplo. Ou, se você não souber nada sobre o caso Robert Wagner e Natalie Wood, não compreenderá por que Cliff Booth é quem ele é. E se não tiver um conhecimento mínimo sobre as mudanças sofridas no cinema e da TV da época, também ficará mais complicado entender as dores e as inseguranças de Rick Dalton. Também do Rancho dos hippies. Outra cena muito legal. Onde são representados os membros da Família Mason.

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Membros da Família Mason: a era “Paz e Amor”?

Mas como eu já comentei, não é necessário conhecer todas estas referências para gostar do filme, Tarantino sabe prender o espectador em diversas cenas ao deixá-lo curioso.(uma referência que vou entregar é ao filme “À Prova de Morte” onde o também dublê/Stuntman Kurt Russel participa. é curioso ele dando sermão no personagem de pit, também dublê).

Eu mesmo não conhecia todas as referencias utilizadas pelo filme, o que não atrapalhou minha experiencia. Na verdade me fez pesquisar sobre o assunto e gostar ainda mais do filme. Pois assim, muitas das cenas fizeram sentido e eu pude compreender o que o cineasta estava querendo passar na tela ao mostrar sua releitura dos acontecimentos.

Inclusive em minhas pesquisas, várias pessoas recomendaram a leitura do livro “Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock ́n ́Roll salvou Hollywood”, do jornalista Peter Biskind para ajudar ainda mais na compreensão e apreciação desta obra Tarantinesca.

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